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terça-feira, abril 02, 2013

Quanto vale a dignidade?

De manhã fui tomar café a uma esplanada com migalha em convalescença (está fino, mas ainda não foi à escola). Com o tempo como tem estado, qualquer nesga de sol é digna de alaparmos o rabiosque ao ar livre.
Ao meu lado, sentado com uma bica à frente, estava um sem-abrigo. Com as suas barbas, cabelos e unhas a mostrar que não está na rua desde ontem. Na cabeça, um boné a dizer "Caminhos de Santiago" (será que alguma vez os percorreu?). Ao lado da mesa, as tralhas todas enfiadas em sacos e um chapéu de chuva.
Olhei, e voltei a olhar. O mais discreta que consegui. O sem-abrigo sorriu para o migalha.
Eu só conseguia pensar que gastou sessenta centimos num café. Quantas carcaças se compram com sessenta centimos?
Nisto percebi que o meu pensamento era mesquinho, que era quase indecoroso, e senti vergonha.
Eu, que nunca pensei duas vezes antes de me sentar em qualquer lado e pedir um, dois, dez cafés. Eu, que não faço porra de ideia quanto custa uma carcaça.
Ao olhar verdadeiramente aquele homem, com ar confortável e tranquilo, a ter um momento como eu, com o sol a dar-lhe na cara, percebi. Percebi que sessenta centimos não foram o preço do café. Sessenta centimos, foram o preço a pagar para se sentar numa esplanada, no meio de todos os que não fazem a mínima ideia do que é não ter uma casa para ir ao fim do dia. Sessenta centimos foram quanto custou estar sentado ao meu lado, a sorrir para o meu filho, foram quanto custou ter um momento que ajuda a ficar preso à vida normal, como o último fio ténue que ainda o liga à sociedade.
Apeteceu-me perguntar-lhe se precisava de alguma coisa. Estava disposta a dar-lhe dinheiro suficiente para tomar cafés em esplanadas muitos dias.
Mas mais uma vez tive vergonha. Oferecer-lhe dinheiro era estragar-lhe o momento, era puxá-lo para a realidade, era tratá-lo como se fosse diferente. Logo a ele, que naquele momento a única coisa que queria era sentir-se uma pessoa como todas as outras.
A vida é muito lixada para algumas pessoas. Bem sei que não é só a sorte ou falta dela que dita as regras, que muitas destas pessoas que vivem na rua fizeram escolhas muito erradas que as levaram a situações limite. Mas há o mínimo de dignidade a que todos deveriam ter direito. Um tecto é uma delas.
Aquele homem encontrou a sua dignidade na esplanada de um café, pela módica quantia de sessenta cêntimos.

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