Tinha dezoito anos quando senti pela primeira vez o cheiro do que parecia uma depressão.
Comecei a ter medo, muito medo. Medo de tudo. Primeiro das doenças, de perder o namorado, de morrer. Depois comecei a ter medo de atravessar a estrada. Chorava. Chorava muito. Passava a vida em médicos, a tentar encontrar a doença que me ia matar. Lembro-me bem da desorientação dos meus pais. Da familia de uma forma geral. Quanto mais as pessoas eram simpáticas comigo, maior a angústia, a tristeza, a certeza de que algo mau me iria acontecer. Faltava às aulas, era o primeiro ano de faculdade. Permanecer ali, no meio daquelas pessoas estranhas, era insuportável. Vivi assim meses, até que acabei num psicólogo.
Fui a primeira vez. A única coisa que me recordo dessa consulta foi do senhor dizer que eu era muito bonita e muito inteligente, como quem diz que as pessoas bonitas e inteligentes não têm direito a estas mariquices. Fui segunda vez. Começou a dizer que ia discutir o meu caso com colegas, ver se era preciso medicação.
Caiu-me a ficha. Só tinha dezoito anos, mas tomar comprimidos não estava nos meus planos. Fiz das tripas coração e uma viagem a Itália, e melhorei. Muito. Dei a volta. Não cheguei a ser diagnosticada com nada. Mas sempre achei que estava a braços com o princípio de uma depressão.
Durante anos, deixei as depressões e a hipocondria em banho maria.
Quando a migalha mais velha nasceu voltou tudo. O medo. Se acontecesse alguma coisa à migalha? Se me acontecesse alguma coisa o que seria da migalha? E voltaram as doenças, e os médicos e os exames a toda a hora. Fiz exames altamente invasivos, com radiações e anestesias. Já não tinha dezoito anos, e elas não matam mas moem, e toda aquela angústia fez com que começasse a ter a tensão alta. Fui a um cardiologista, pai de uma amiga.
Conversámos. Ele sabia que o meu problema não era do corpo, era da alma. Mandou-me arranjar um psicólogo.
E lá fui, novamente. Correu melhor. Era uma psicoterapeuta espectacular. E ajudou-me. Sem medicamentos. Fez a pergunta chave. A pergunta que não me resolveu os problemas, mas me fez perceber porque é que aquele medo me assolava. "Em que é que não quer pensar, para pensar em doenças?"
Entretanto engravidei novamente, fui de férias, o dinheiro não chega para tudo, e desisti. Sei que não terminei o meu tratamento. Sei que a procissão ainda ia no adro, mas sentia-me melhor, tão melhor que achei que estava curada. Revigorada. Feliz.
Passaram seis anos. Seis anos em que me senti forte, sem medos, enérgica, capaz de mover o Mundo, a sentir-me uma mulher de sorte. Sorte no emprego, sorte no meu casamento, brindado com segundo filho, e depois com o terceiro. Uma família em construção, e eu a melhor arquitecta e engenheira desta obra.
Até agora...Há uns meses voltei a sentir novamente as ansiedades, as angústias, as dificuldades em adormecer, os medos. A maioria dos dias alegres, mas pelo meio dias tristes. Inexplicavelmente tristes. Estou-lhe a sentir novamente o cheiro. Estou a senti-la a tentar chegar discreta. Já a conheço, sei que chega sempre devagarinho, e estou a tentar munir-me de todas as minhas forças para a derrotar antes que se instale. Tento racionalizar os medos e as inseguranças. Tento somar dois mais dois e pensar que não deixei de ser competente no emprego com um estalar de dedos, que o meu marido me continua a amar, que as pessoas que gostam de mim estão lá tanto ou tão pouco como estiveram este tempo todo. Medo de tudo ao mesmo tempo quer dizer que o problema não existe. Tento manter-me inteira. Não tenho vida, nem tempo para estas merdas, caramba.
Conhece-la é meio caminho andado para que não chegue a fazer estragos. Saber reconhecer o momento de pedir ajuda também.
Ainda não chegou o momento.
Se não voltar a falar sobre isto, é porque tudo parece pior num dia mau,e hoje foi um dia mau, e provavelmente nem é nada.
Senão, darei notícias. Afinal, foi para isto que criei um blogue. Para poder escrever o que me apetece, sem estar comprometida com quem lê, porque ninguém faz puto de ideia de quem eu sou, e eu não faço puto de ideia de quem são as pessoas que por aqui vão passando.
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