Em primeiro lugar, deixem-me que vos diga que desaconselho vivamente este passeio com crianças. Quando chegarem ao fim, se chegarem, julgo que vão perceber porquê.
De vez em quando passa-me assim uma coisa pela cabeça, de que estou a criar três cepos, tal é a falta de programas culturais e experiências que não envolvam parques temáticos, aquáticos, ou outras actividades de lazer com baloiços, carroceis, ou cenas penduradas por ganchos e coletes salva vidas.
Então, achei que nada como mostrar-lhes bem de perto a cidade onde vivem tipo desde sempre, e por onde circulam exclusivamente de carro, e escolhi o famoso percurso de eléctrico 28, que sai ali do Martim Moniz e vai Alameda fora, começando depois a entrar pela Graça, passando à porta da igreja de S. Vicente, da Sé, perto do Castelo, e de pelo menos dois miradouros, desce até à Baixa, sobe ao Chiado e sempre por aí fora até deixar ver o Jardim da Estrela e por fim, Campo de Ourique e os Prazeres. Perfeito, não?
Sim, perfeito.
Só que não.
Bom, a fila para apanhar o eléctrico é longa e quase ninguém fala português. Gerem-se as entradas para que se consiga um lugar sentado e à janela, coisa que quem anda em turismo não dispensa. Eu por exemplo, deixei ir embora um dos eléctricos porque não havia lugar sentado para os quatro.
Os dois condutores com quem cheguei à fala, eram dois burgessos, mal educados, pejados de falta de vontade para pessoas. Apesar de levarem uns trinta entrangeiros, não os ouvi dizer uma palavra em inglês. Se isto é o melhor que a Carris tem para apresentar a quem visita o nosso país...Como dizia a outra, se isto é a montra, imagino o armazém.
Mas tuuuuudo bem, afinal o que é a má vontade de um funcionário da Carris perto da minha vontade de mostar Lisboa aos meus filhos? Nada.
Bom, todos perto da janela, ai que excitação.
E é então que começa o problema. É que o 28, não é uma carreira turística. É o eléctrico que serve muitos lisboetas que andam na sua vidinha de todos os dias, e pelo menos hoje, muitos deles não estavam para cenas de turistas. Um tentou baixar as cortinas por causa do sol, e nem um coro de "no, no" o demoveu, apenas a resistência do material perro a acusar falta de óleo e manutenção. Depois, a quantidade de gente que viaja em pé, tira completamente a visibilidade (que já não é grande coisa) para o outro lado da rua, e portanto, há que escolher, ou vais de um lado e vês a Sé de Lisboa, ou vais do outro e vês a Assembleia.
Mas o pior não foi isso. O pior, que me deixou com um camadão de nervos e com vontade de sair ali logo no largo do Limoeiro, foi o de acharem que Migalhas deveriam ir de pé e dar lugar "aos mais velhos". Pelo menos um homem começou aos gritos a dizer "as crianças não pagam e vão a ocupar lugares" (mentira, pagámos todos igual), o que me obrigou a um não muito agradável bate-boca com o senhor (que eu na minha tentativa de ver algo para lá de rabos, nem tinha reparado que tinha entrado e tinha uns setenta anos), e uma mulher que nem português falava, mandou Migalha do Meio levantar-se umas três vezes.
Eu percebo, crianças com boas perninhas vão de pé e dão lugar aos mais velhos, mas além dos meus filhos serem uns totós a andar de transportes, e de eu sozinha não conseguir controlar os três com os solavancos, era suposto ser um passeio turístico em que vão a espreitar à janela e não irem espremidos entre barrigas de uns e sovacos dos outros. O Martim Moniz ficou lá para trás e ninguém quer saber do tempo que esperámos por aqueles lugarzinhos.
Lá chegámos ao fim da linha, já com o Sancho ao meu colo e com Migalha do Meio de pé agarrada a mim, onde o sempre simpático condutor anunciou que "termina aqui".
Como metade das pessoas não percebeu, ele insistiu umas cinco vezes: "termina aqui".
Alguém ensine os senhores da Carris a dizer "the end", por favor.