Consultório #1345

"Chamo-me Adosinda Lopes e tenho 85 anos, feitos mês passado. Estou casada com o mesmo homem, há 59 anos, e sempre fomos felizes, até ao Verão passado, quando o caldo se entornou aqui na aldeia.
A neta da minha vizinha Floripes, ao ver-me tão triste e desgostosa, disse-me para escrever uma carta,a contar o sucedido, que havia aí uma menina nessa coisa da Internet que me podia ajudar, porque era menina com muita experiência, e em calhando, até algum curso de psicologia e assim, que são as pessoas que ajudam as outras que andam mais em baixo. A menina trabalha em algum hospital ou tem consultório?
Bom, menina Maçã, isto tudo começou nas festas de Agosto do ano passado.
Aqui na minha terra há umas festas muito bonitas, em honra de Nossa Senhora, e é sempre muito animado, porque tem a procissão, quermesse, uns conjuntos muito jeitosos que tocam, e tem baile no salão nobre dos bombeiros.
No Inverno, eu e o meu Adalberto sofremos muito dos ossos, com o frio e assim, mas no Verão tudo melhora, e desde que começámos a namorar em 1953 que nunca falhámos um baile. Minto. Não fomos no ano em que nasceu a minha Maria de Fátima, que a miúda resolveu nascer mesmo no feriado.
O meu Adalberto tem 87 anos, mas ainda está muito bonzinho para a idade. Até bom demais, já lhe passo a contar.
Estava eu sentada no banco a ver as minhas vizinhas a dançar, quando se chega a Adelaide toda lampeira, e vem chamar o meu Adalberto para dançar com ela. Ora, ele sempre gostou de mulheres mais novas, e aquela desenvergonhada da Adelaide só com 77 anos.
E ainda por cima,  uma velha toda gaiteira, cabelo pintado e batom, e já se sabe que os homens se pelam por essas coisas.
Olhe que aquilo foi uma coisa a mais. O homem levantou-se com tal prontidão que até se esqueceu da bengala encostada à parede, só para se ir saracotear com a Adelaide. E a menina Maçã havia de ver como ela se abanava, ali toda atracada ao meu marido!
Pedi à Liliana, que é a moça que ajuda ali a Benta do Café Central, para me levar a casa antes que me desse uma coisa.
Eu, Adosinda, a ser enxovalhada em público, na minha terra, em frente a toda a gente, por uma atrevidona de uma Adelaide.
Escusado será dizer que desde esse dia o Adalberto nunca mais me viu os dentes. É que nem a placa já ponho! E o resto, que ele lá gostava de tentar de vez em quando, o resto é que nem pensar.
Mas sabe, fico triste, porque isto uma pessoa não vai para nova, e um dia destes um de nós fecha os olhos, e morremos de costas voltadas, e isso era coisa que não queria. Mas estou tão magoada, tão ofendida, que nem consigo olhar a direito para ele.
Uma coisa tenho a certeza, é que já não há nada entre eles. Por alturas dos feriados de Dezembro, a Adelaide teve uma trombose e ficou-se.
Menina Maçã, o que acha que faça?"

Olá Adosinda!
Sei o que está a passar. Sei que julga que é a unica a passar por isso, mas olhe, também já me aconteceu, igualzinho. São extraordinárias as semelhanças entre a minha riquíssima história de vida e a das pessoas que me escrevem. Ia dizer-lhe para fazer como eu, mas parece-me que a Adosinda já não vai a tempo de trocar esse merdas do Adalberto por um marido de jeito (como o meu), e sobreviver só com uma reforma, por isso, olhe, não é que ele mereça, mas perdoe o homem.