Já nos habituámos a isto. Às coisas que não têm sítio. Às que nunca estão no sítio. Já percebi que existem demasiadas roupas e demasiados brinquedos para os armários que temos. Já me resignei a não ter paredes limpas pelo menos durante mais cinco anos, já sei que os estofos das cadeiras (felizmente amovíveis e laváveis) irão ter sempre nódoas do tamanho do Continente Europeu. Há uma bicicleta daquelas de ginástica estacionada no meu hall há anos. No hall, senhores, uma bicicleta de ginástica.
Eu faço o melhor que consigo. Apanho, arrumo em cestos e gavetas, dobro e penduro, ando com um saco a recolher papéis com desenhos (tanta obra de arte desperdiçada), arrebanho cuecas e meias e camisolas, tapo o tubo da pasta de dentes, fecho o tampo da sanita, mas a verdade é que é um trabalho extremanente ingrato, ainda os lençois da cama não se habituaram à condição de esticados e já lá está uma Migalha, ou duas, ou três, a rebolar-se.
Os meus pais sempre tiveram a mania das arrumações, da organização e das limpezas. Passei uma boa parte da minha infância e adolescência concentrada em não por os pés em cima dos sofás, desligar o gira-discos, limpar a retrete com o piaçaba, colocar a loiça na máquina. O meu pai parecia um fiscal, sempre atrás de nós, a dar avisos e alertas.
Talvez eu agora caia no extremo oposto. Talvez seja demais deixar Migalhas comerem bolachas nos sofás, não as obrigar a limpar a pasta de morango que fica agarrada ao lavatório, deixá-las fazer o pino contra a parede de sapatos calçados.
Quero muito que os meus filhos recordem sempre a minha casa como um lugar confortável onde podem estar à vontade, onde o bem estar deles é mais importante que os bens materiais, que cortinados e estofos e paredes alvas, mas deve existir aqui um meio termo que não estou a conseguir encontrar.
E depois há muita coisa que se estraga, há lâmpadas fundidas, há portas de armários que não fecham, há puxadores arrancados, há buracos nas paredes. A verdade é que Dito-Cujo, pouco dado à bricolage, não se agonia com o estado a que as coisas chegam. As que eu consigo resolver, de quando a quando, meto mãos à obra e lá trato, mas há outras, que simplesmente não consigo.
Tenho a certeza que quando o meu pai entra em minha casa, até as entranhas se lhe revoltam.
E é isto. Vivemos um bocado em modo acampamento.
Já vos tinha dito que queria um cão?
É da única coisa que tenho verdadeiramente saudades do meu tempo de pré-mironinha. Não é do corpo escultural, que nunca foi, das saídas nocturnas, das idas ao cinema ou escapadinhas e férias a dois, bem românticas, que temos mil e um familiares dispostos a ficar com ela, de noites bem dormidas, que ela sempre dormiu bem e eu mal, de uma refeição sem birras, que não costuma fazê-las, pelo menos em escalas inadmissíveis. Tenho mesmo saudades da casa arrumada. De conseguir ver o lindo chão de madeira do seu quarto, de nãoterbaús e gavetas despejadas no nano-segundo após ter arrumado tudo, de não me sentar no sofá sem esborrachar um nenuco ou espetar-me num garfinho de brincar.
ResponderEliminarExactamente isso. Multiplica por três e tens a minha vida!
EliminarVindo eu de uma família numerosa, 3 meninas e 1 menino, nem imaginas o respeito e admiração que sinto pelos casais que têm 3 ou mais filhos.
EliminarEste texto podia ter sido escrito por mim de fio a pavio até ao mais infimo pormenor. Tudo igual (excepto a bicicleta no hall, que não temos). Que bom saber que não sou a única.
ResponderEliminarTambém fico contente por não ser a única. Sabes, às vezes só quando tenho visitas é que olho com olhos de ver e realizo que não é normal ter brinquedos em todas as divisões da casa, é que me envergonho das nódoas das cadeiras... É quando me lembro da estúpida bicicleta...
EliminarPS: também quero um cão. AHAHAAHAA! Como se não bastasse....
ResponderEliminarVendo bem, um cão não desarruma!
EliminarNão desarruma? Então meta um cão em casa e vai ver se não multiplica a desarrumação por cem.
ResponderEliminarCaro anonimo...Desarruma certamente menos do que as pessoinhas que lá tenho.
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