Queria ter sido médica. Saber das coisas da química do corpo, de glândulas e hormonas, dos fluxos e refluxos, de orgãos que batem, de veias e artérias que pulsam, de células e nervos, das articulações que dobram, dos músculos que doem. Queria saber da harmonia das sinapses, das tensões que se equilibram, dos olhos que piscam e de todos os movimentos voluntários e involuntários. Queria ter uma bata branca e um estetoscópio ao pescoço, ser quem se levanta quando perguntam: há algum médico na sala.
Queria ter sido cantora. Viajar entre as notas altas e baixas, com a afinação perfeita, o vibrar certo nas cordas, a cabeça pendente num murmúrio para logo se levantar num grito, o som dos aplausos a ecoar, a apoteose, o delírio, o gáudio.
Queria ter sido escritora. Saber os muitos nomes das palavras, e os muitos significados dos nomes, escrever tão veloz como os pensamentos mais tristes, em noites de dolorosa solidão, voar para longe, para no longe me encontrar, e voltar a caminhar em folhas já ditas. Queria estar em livro numa estante, à distância de um dedilhar indeciso que ao toque se decidiria. Queria ter a arte, o dom, e a capa certa.
Queria ter sido eu.
Devias ter sido escritora de profissão, sim.
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