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domingo, dezembro 09, 2012

Tão farta

Estou farta da crise. Estou farta de ouvir toda a gente a queixar-se. Estou farta de ver pessoas desanimadas porque perderam o emprego, porque o marido, a irmã, a filha, ou alguém perdeu o emprego. Estou farta de ouvir quem ainda não perdeu nada a lamentar-se. Com medo do que pode vir. Do que aí vem.
Farta de toda a gente a dizer que para o ano ainda vai ser pior, que nem sabemos o quão difícil vai ser. Farta de ver como no emprego já ninguém diz o que pensa, já ninguém diz o que quer, porque há medo, medinho, quem é que quer perder o ordenado nos tempos que correm? E as organizações sabem disso.
Farta de ver gente a olhar para os meus filhos e a dizer que para eles ainda vai ser pior, que a geração deles é que vai sofrer na pele. Farta de ouvir dizer que o tempo das vacas gordas nunca mais vai voltar, que as casas nunca mais vão valer o mesmo, que o tempo em que se comprava casa acabou, que a classe média está a ficar irremediávelmente e irreversívelmente pobre.
Habituemo-nos a viver na penúria, quem nos mandou viver abastados e alarves durante 20 anos? Como pode o povo português atrever-se a viver tão bem durante tantos anos. Pensam que são o quê? Alemães, não?
Restaurantes, cinemas e espectáculos, passear de carro, colégios privados, tudo a voltar a tornar-se um exclusivo da classe alta, que pode finalmente voltar a contratar uma empregada doméstica portuguesa por tuta e meia, em vez das brasileiras e das moldavas, que agastavam as senhoras tão habituadas às criadas das casas de infância, de dentro de fora, cozinheiras e costureiras.
Parece que afinal a classe média consegue viver sem beber um actimel por dia, sem verniz de gel, sem dois telemóveis, sem almoçar nos centro comerciais aos fins de semana, as crianças sem Kidzania e sem Funcenter, sem festas com palhaços e meninas que fazem cães com balões.
Parece que devagarinho está tudo a voltar ao tempo da outra Senhora, só nos resta ir a Fátima rezar para que tudo melhore, para que fulano arranje emprego e sicrano consiga pagar a casa que ninguém lhe compra.
Estou fartinha!

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