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segunda-feira, novembro 16, 2015

Sou a favor do acolhimento de refugiados, pronto, já disse

A primeira vez que percebi o que era realmente xenofobia, vestíamos de branco por Timor.
No meio de uma conversa com alguém que por força das circunstâncias se tinha tornado próximo, lembro-me de à minha indignação ter respondido com um "sabes que eles não são como nós, não sabes?"
Devo ter arregalado os olhos para lá do razoável, porque ela insistiu. Que a vida para "eles" não tinha o mesmo valor, que estávamos muito ralados como se eles sentissem como nós, mas não, não sentiam.
"Eles", os timorenses, claro.
Aquele discurso, estava muito para lá de tudo o que eu tinha ouvido até esse dia. Aos olhos daquela jovem mulher de 26 anos cheia de sacramentos e pergaminhos, não eram menos cultos, menos inteligentes, menos preparados ou menos capazes, expoente máximo das conversas sobre racismo que eu já tinha vivido até então. Não. Eram mesmo menos pessoas. Não davam o mesmo valor à vida, logo a vida deles valia menos. Estavam ali entre pessoas de segunda, ou animais de primeira, não sei  bem, não percebi, não quis perceber mais nada.
Passemos aos refugiados.
Tenho pensado muito no assunto. Mesmo muito. E tenho-me perguntado qual a minha posição.
Em primeiro lugar, deixem-me que diga em minha defesa: aventem-me com uma criança em sofrimento pelos olhos dentro e eu cego. Cego completamente. Multipliquem por centenas de crianças com fome, frio, a morrer nos braços dos pais, ou no fundo do mar. Agora calcem os sapatos daquelas mães e pais, desesperados, também com fome, com frio, que carregam meia dúzia de tarecos debaixo dos braços, mais os filhos, e o medo.
Eu sou a favor do acolhimento aos refugiados. Mesmo hoje, dois dias depois de mais de cem pessoas que podíamos ser nós terem perdido a vida daquela forma bárbara, continuo a ser a favor do acolhimento de refugiados. Mesmo depois de saber que um daqueles psicopatas entrou num desses grupos que foi acolhido, continuo a ser a favor do acolhimento dos refugiados.
Corremos riscos no futuro? Não duvido. Virão mais destes terroristas quase a cheirar ao leite da mãe prontos a rebentar com tudo e todos? Não duvido.
O que duvido, é que seja aceitável não salvar a vida de quem nos pede socorro e nos está a morrer às portas de casa, como se falassemos quase de um homicídio em legítima defesa.
Se tivessemos que fazer um balanço, tão cruel quanto pode ser pensar nas pessoas como números, entre o número de vidas que se perdem a tentar  fugir da guerra, a tentar entrar na Europa, e o número de vítimas que serão alvo de atentados levados a cabo por quem entra infiltrado, parece-me óbvio para onde penderia o prato da balança.
Porque as vidas valem todas o mesmo. A menos que a vida de ocidentais cristãos tenha um qualquer coeficiente multiplicativo de valorização que desconheço, as vidas valem todas o mesmo.
Que haja regras. Claro. Que haja controlo, que em caso de suspeita não se hesite, como é óbvio. Que não atiremos para debaixo do tapete os nossos valores, sem dúvida. Mas não tenhamos ilusões. As famílias sírias não vão passar a ir à missa ao domingo como forma de agradecimento pela nossa imeeeeensa generosidade, nem vão comer entrecosto com ameijoas, nem vão banhar-se de biquini em Carcavelos. Vão continuar a manter a sua cultura e a sua identidade, talvez até com mais fervor, já que é tudo o que lhes resta do que foi a sua vida e o seu passado.
Se não tenho medo?
Tenho medo. Muito medo.
Mas tenho mais medo de me sentir cumplice da morte de milhares de pessoas.


4 comentários:

  1. Sem tirar nem pôr o que escreveu! È deste horror que fogem! Falou em Timor, nunca me vou esquecer das imagens chocantes que vimos, da onda imensa de solidariedade, das colchas brancas nas janelas, e quando Xanana Gusmão veio a Portugal e apareceu na varanda da A.R. o grito de "Timor Vencerá"!!! Ainda hoje me arrepia!! Essa pessoa que descreve era desumana!!(desculpe é o que penso).

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  2. Por ironia do destino, no dia que tive o meu filho foi a primeira vez que tive medo de o perder. Depois dessa vez, muitas mais vieram. Tive medo de perder o meu filho muitas vezes. Um dia, o pai dele desesperado perguntou-me "porquê a nós?", respondi-lhe que para as outras pessoas, nós éramos os outros. Aprendi a calçar, tal como dizes, os sapatos dos outros, aprendi que na porta ao lado pode estar uma tragédia bem maior que a nossa, aprendi que da mesma forma que muita gente me deu a mão, seria incapaz de negar a minha a quem quer que fosse, nem que seja para depois levar um estalo no meio do focinho. Por isso, tal como tu, a minha porta está aberta e também tenho medo.

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